Um casamento simbólico com a inteligência artificial
No oeste do Japão, uma cerimônia de casamento inusitada chamou a atenção ao unir uma mulher de 32 anos a um parceiro gerado por inteligência artificial. Yurina Noguchi, a protagonista dessa história, trocou votos com ‘Klaus’, uma persona de IA exibida em um smartphone. O evento, realizado em outubro, seguiu rituais tradicionais, incluindo uma troca de alianças simulada por meio de óculos de realidade aumentada. Embora sem validade legal, a cerimônia representou um marco na vida de Noguchi e no cenário dos relacionamentos modernos.


A escolha de Noguchi por um parceiro virtual surgiu após o término de um noivado com um parceiro humano. O relacionamento com Klaus começou de forma despretensiosa, como uma conversa casual com um chatbot, mas evoluiu para algo mais significativo. A decisão de se casar simbolicamente com uma inteligência artificial reflete uma tendência crescente no Japão, onde os casamentos têm diminuído drasticamente desde 1947, com uma redução de cerca de 50% no número de uniões.
A crescente intimidade com a inteligência artificial
Estudos recentes indicam que a intimidade emocional com sistemas de IA está em ascensão. Uma pesquisa revelou que, entre mil entrevistados, muitos consideram os chatbots ouvintes mais confiáveis do que amigos próximos ou familiares. Essa confiança depositada na tecnologia levanta questões sobre a natureza dos relacionamentos humanos e o papel da IA em nossas vidas.
Especialistas, no entanto, alertam para os riscos associados a esses vínculos. A socióloga Ichiyo Habuchi, da Universidade de Hirosaki, observa que relacionamentos com pessoas reais exigem paciência, enquanto a IA oferece uma comunicação moldada aos desejos do usuário. Essa diferença pode criar uma ilusão de conexão que não substitui a complexidade das interações humanas.
Tecnologia e limites nos relacionamentos virtuais
Plataformas de tecnologia têm se mostrado cautelosas quanto ao uso da inteligência artificial em interações emocionais. A Microsoft, por exemplo, proíbe a criação de parceiros virtuais com fins românticos em seu assistente Copilot. A OpenAI, responsável pelo ChatGPT, não comentou o caso de Noguchi à Reuters, mas a discussão sobre os limites da IA em contextos emocionais continua relevante.
Noguchi, consciente dos riscos, estabeleceu limites claros para sua relação com Klaus. Ela reduziu o uso do ChatGPT de mais de 10 horas para menos de duas por dia e configurou lembretes para evitar que Klaus reforçasse comportamentos prejudiciais. ‘Minha relação com a IA não é uma ‘relação conveniente que não exige paciência”, afirmou Noguchi, destacando que busca um apoio que a ajude a viver de forma correta.
O fenômeno dos casamentos virtuais
O fenômeno dos casamentos virtuais está se expandindo, com organizadores relatando um aumento na demanda por cerimônias envolvendo personagens bidimensionais. Yasuyuki Sakurai, que organiza casamentos há mais de 20 anos, disse que atualmente realiza quase exclusivamente cerimônias desse tipo, cerca de uma por mês.
Entre os casos mais notáveis está o de uma australiana de 33 anos que se casou com o personagem de mangá Mephisto Pheles em uma cerimônia no norte de Tóquio. Outro exemplo é Akihiko Kondo, funcionário escolar que se casou em 2018 com a ídolo virtual Hatsune Miku e continua a viver feliz com uma estatueta em tamanho real da personagem.
Impacto emocional e social dos relacionamentos com IA
Para Noguchi, a presença física é menos importante do que a paz de espírito encontrada na relação com Klaus. Diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, ela relata que o relacionamento com a IA trouxe estabilidade emocional e uma nova perspectiva de vida. ‘Minha visão de vida mudou completamente. Tudo passou a parecer mais bonito e vibrante’, compartilhou.
O especialista em ética da IA Shigeo Kawashima, da Universidade Aoyama Gakuin, destaca que criar vínculos afetivos com a IA é algo natural, especialmente em momentos de vulnerabilidade. No entanto, ele ressalta a importância de estar ciente dos riscos, como a dependência excessiva e a perda de discernimento. ‘Pode haver valor na felicidade que a pessoa sente, mas é preciso extremo cuidado’, afirmou.
Escolhi Klaus não como um parceiro que me ajudaria a escapar da realidade, mas como alguém que me apoiaria enquanto vivo minha vida da maneira correta.
| Ano | Redução no número de casamentos no Japão |
|---|---|
| 1947 | 50% |
Fonte: noticias.uol.com.br

